A história do "VERDÃO"

O navio "Colombo" acaba de chegar da Europa lotado de passageiros e de esperanças. Entre todos aqueles que desembarcaram e, pela primeira vez pisaram o solo nacional, estava Caetano Tozzi, o primeiro dentre os italianos a se registrar nos serviços brasileiros de imigração. Assim como as centenas de milhares de seus patrícios, Caetano trazia uma enorme vontade de trabalhar. E ela seria mesmo necessária. A abolição da escravatura andava a passos largos e já se sabia que, cedo ou tarde, ela seria assinada, o que viria a acontecer seis anos depois. O País precisaria, então, de uma nova mão-de-obra e nada melhor que esta fosse a dos europeus, sobretudo a dos italianos que chegavam ao Brasil trazidos em virtude das notícias sobre fertilidade de nosso solo. A vida de nosso personagem não foi melhor nem pior do que a da maioria dos "oriundi", como eram conhecidos os italianos que deixavam sua pátria. Nos quase 50 anos em que viveu no Brasil, este imigrante pôde mostrar o espírito aberto às coisas de nosso País, sem deixar de lado o amor pela velha, querida e então já distante Itália. Mas houve um único detalhe, um pequeno item que marcou para sempre o nome de Caetano Tozzi e de uns poucos outros italianos: empresário, ajudou no parto da industrialização nacional. E, 15 anos antes de morrer, teve o orgulho de poder ser um dos fundadores do Palestra Itália. Ele não foi o único, é verdade, mas foi um deles. Era o início de um marco na história do futebol brasileiro e mundial. Muito Semelhante à história de Caetano Tozzi é a dos italianos que se agrupavam no começo do século para matar, ou melhor, para amenizar a saudade da Itália. Todos os domingos, eles lotavam o Teatro São José para assistir a espetáculos líricos, que depois cantarolavam, ao entardecer, nos bondes de uma São Paulo, à época, ainda envolta em neblina e constantes garoas. Mas nem só de música vivia a colônia: o esporte também aparecia com destaque entre os "oriundi". Em 1914, o hoje nacionalmente conhecido Clube Espéria se chamava "Societá dei Canottieri" (Sociedade dos Remadores). Lá, se jogava a bocha e, como dizia o próprio nome, se praticava o remo. Porém, o futebol começava a despertar paixões, já que há muito era praticado na Itália com o nome de "calcio". Quatro italianos – Luigi Cervo, Ezequiel De Simone, Luigi Emanuelle Marzo e Vicenzo Ragognetti – eram os mais animados dentre aqueles que moravam no então totalmente italiano bairro do Brás. Eles se encantaram com a visita do Torino e do Pro Vercelli, times do futebol italiano, e resolveram que os filhos da Itália e os filhos dos filhos da Itália também precisavam de uma equipe de futebol. Nasce o Palestra Mal o Torino e o Pró Vercelli embarcaram de volta à Itália e os quatro italianos — Luís Cervo, Ezequiel Simone, Luís Emanuelle Marzo e Vicente Ragonetti — arregaçaram as mangas no intuito de fundar o clube com o qual tanto já sonhavam. Não haveria mesmo momento mais propício, já que toda a comunidade italiana se encantara com a presença das duas equipes patrícias. Na época, circulava em São Paulo um jornal, o "Fanfulla", órgão oficial e porta-voz voltado aos italianos, que trazia, sempre, notícias da Velha Bota. Como Ragonetti era um de seus fundadores, não teve dúvidas em conclamar a presença de todos os conterrâneos, na edição do dia 19 de agosto de 1914. O texto era o seguinte: "Todos os quais desejarem participar da criação de um clube italiano de calcio (futebol) devem comparecer às 20h00 no número 2 da Rua Marechal Deodoro para a reunião de fundação do Palestra Itália". O nome do clube, como se vê, já estava decidido antecipadamente. Muito se esperava, mas pouco se conseguiu. As pessoas pensaram que o clube teria, como os outros da época, recitais e bailes. Mas não: os quatro rapazes estavam decididos que o carro-chefe do Palestra Itália seria o futebol, e disso não abririam mão. Após muita discussão e o impasse a que se chegou, foi desfeito o engano. Os descontentes e decepcionados se foram, e uma nova reunião foi marcada para a semana seguinte, dia 26 de agosto de 1914. Nela, enfim, seria fundado o Palestra Itália. Foram seis longos dias de muita expectativa. Cervo, Simone, Marzo e Ragonetti mal puderam esperar até que chegasse aquela data. Mas, enfim, o dia 26 de agosto de 1914, uma quarta-feira, entraria para a história. Exatamente na hora marcada, estavam presentes ao número 2 da Rua Marechal Deodoro exatas 46 pessoas, hoje consideradas os fundadores do clube. É verdade: esperava-se mais gente. Mas, ao menos os quatro jovens tinham a certeza de que aqueles outros 42 homens sabiam exatamente o que poderiam esperar do Palestra Itália – pelo menos, em seu início, esta seria uma agremiação de calcio. Ou de futebol, como chamavam-no os brasileiros. Muita alegria, gargalhadas e confraternização, um bom vinho para brindar mais um "oriundi" que nascia. Mas, e o dinheiro? Em meio à paixão característica do italiano, este detalhe fora relegado ao segundo plano. O mais importante era fundar um clube. Só que, feito isso, o que era secundário passou ser primordial. E se percebeu, então, que havia pouco, ou quase não havia. Foram tempos difíceis. Primeiros Presidentes Claro que a honra de se tornar o primeiro presidente do Palestra Itália caberia a um dos quatro principais batalhadores do seu surgimento. Daí o grande problema que herdou, um segundo após ser eleito, Ezequiel Simone. Não bastassem os bolsos vazios, aquele italiano se viu às voltas também com uma série de conflitos de interesses, já que todos os 46 sócios-fundadores se julgavam no direito – e de fato o tinham – de fazer valerem suas opiniões particulares. Pressionado, Ezequiel Simone permaneceu no comando por apenas 19 dias, cedendo seu posto a Augusto Vicari. Lá fora, o mundo fervia. Ainda que à distância e com poucas informações, já que os meios de comunicação não tinham nem um ínfimo da potência que hoje possuem, sabia-se que toda a Europa estava envolta numa disputa bem menos nobre do que a da presidência do Palestra Itália: a Primeira Guerra Mundial. A Itália lutava contra o kaiser alemão Guilherme II, mas a força do general germânico era muita. Tanta, que o governo não teve outra alternativa senão recrutar italianos espalhados por todos os cantos do mundo a também defenderem as cores de sua pátria. E, italiano legítimo, Vacari não fugiu à regra: arrumou suas poucas malas e embarcou num navio, fazendo o caminho de volta tão pouco tempo depois de ter chegado. Em seu lugar no Palestra assumiu Leonardo Paseto. O primeiro jogo, a primeira vitória Mas, se a falta de dinheiro do novo clube já era enorme antes da guerra, após sua instalação aumentou ainda mais. Tudo porque a colônia deixou de enviar ao Palestra os fundos que costumeiramente fazia. Não eram muitos, mas eram alguns. Tal dinheiro passou a ser enviado à Cruz Vermelha e à Pró-Pátria, instituições que ajudavam a Itália a enfrentar os poderosos canhões alemães. Desesperado, vendo-se sem saída e sem fundos até mesmo para o pagamento das contas de água e luz, Paseto chegou à conclusão de que o melhor para todos, inclusive para o Palestra, seria a sua morte. Dali a pouco, acreditava, a guerra terminaria e, então, todos se reuniriam para ressuscitar o querido clube e o tornar grande e forte. Mas não era desta forma que um dos idealizadores, Luís Cervo, pensava. Quase sempre calado, ele resolveu intervir de forma mais direta, como nunca fizera antes. Um murro na mesa e o juramento de que o Palestra não iria morrer, que o seu ideal e o dos outros três jovens imigrantes – Ragonetti, Marzo e Simone – haveria de vingar. "Uma partida de futebol! Temos que organizar uma partida de futebol!", gritou Cervo. "Assim mostraremos que estamos vivos e que seremos grandes!", concluiu. A partida que seria a primeira do clube teria, claro, de ser vencida. Afinal, como provar à colônia e boa parte dos fundadores de que o Palestra Itália mereceria uma nova chance se, logo de cara, uma grande derrota surgisse. Porém, a grandiosidade estava mesmo nos planos desta grande paixão. Assim, escolhido o adversário, o Savóia, clube da colônia italiana na cidade de Sorocaba – que é bom frisar: de fraco nada tinha – o time começou a treinar muito para que um grande papel fosse feito. A fim de chamar a atenção de todos os patrícios da região, ficou acertado que tudo o que se arrecadasse seria entregue à Cruz Vermelha italiana. Assim foi dito e assim foi feito, com a entidade beneficente recebendo 200 contos, uma fortuna na época. Domingo, 24 de janeiro de 1915. Aquela tarde entrou definitivamente para a história não só do Palestra/Palmeiras, mas também de todo o futebol. Foi exatamente às 15h00 que o primeiro time do Palestra entrou em campo. Os 11 heróis que vestiram a camisa azul com a faixa branca, levando sobre o coração o distintivo contendo a cruz da Casa Real de Savóia, foram Stilittano; Bonato e Fúlvio; Police, Bianco e Vale; Cavinatto, Fiaschi, Alegretti, Amílcar e Ferré. Em campo, nada de muito amigável, apesar de se tratarem de duas equipes italianas. Jogo duro, disputado, mas que quiseram os deuses do futebol acabasse sendo vencido pelos italianos do Palestra e não pelos italianos do Savóia. O placar de 2 a 0, construído com os gols de Bianco e Alegretti, deu um novo sopro de vida ao Palestra, pouco antes fadado ao esquecimento. De fora, olhos lacrimejados de emoção, sabor de vitória e de dever cumprido, estava Luís Cervo. Ele sabia que, dali em diante, seria impossível acabar com o clube que ele e muitos outros, apesar do pouco tempo, já tanto amavam. Perseguição obriga Palestra mudarem de nome Lembramos logo nos primeiros capítulos de "Nossa História" que as guerras mundiais sempre foram parte importante na vida do Palestra Itália. A primeira, que eclodiu em 1914, por muito pouco não causou o fim do clube que há apenas alguns meses nascera, já que todos os fundos que os "oriundi" inicialmente doariam para a nossa fundação passaram a ser enviados à Cruz Vermelha italiana. Não fosse a ação de homens como Luigi Cervo, como contamos, e certamente hoje não existiria o Palmeiras. Mas a I Guerra Mundial não teria uma importância tão grande na vida do alviverde quanto a segunda. Vítima de um nacionalismo exacerbado e por isso mesmo absurdo, o Palestra Itália teve que se curvar às pressões e aos escusos interesses alheios sob pena de, caso resistisse mais do que resistiu, ver seu patrimônio dilapidado e terminando em mãos indevidas. Antes, porém, de explicar porque a guerra influenciou a vida do Palestra/Palmeiras, creio ser necessário discorrer um pouco sobre o conflito. Em 1942, a Segunda Grande Guerra estava no auge. Havia ameaças de bombardeios em todos os cantos do planeta, tal a força que tinha a temível Luftwaffe, a força aérea alemã. O risco era tão iminente que, mesmo em locais em que poucos acreditavam que bombas pudessem cair, como São Paulo, aconteceram blecautes propositais. Por determinação do governo, todas as luzes da Cidade, inclusive as das residências, foram algumas vezes apagadas das 20h00 às 22h00. Tratava-se de um treinamento: se um bombardeio acontecesse à noite, este ato atrapalharia a ação do inimigo, que perderia os pontos de referência para os alvos. Tal atitude só foi tomada em 1942, praticamente três anos após o início da II Guerra Mundial, porque foi este o tempo em que o Brasil conseguiu ficar "em cima do muro" da questão. O presidente Getúlio Vargas demorou o quanto pôde para decidir entre os aliados, liderados pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, ou pelo Eixo, que tinha a Alemanha como estrela principal e a Itália e o Japão como coadjuvantes. A relutância entre optar por um ou pelo outro lado, ainda que a postura nazista deixasse bem claros seus nefastos propósitos, se deu principalmente por questões econômicas: enquanto não tomasse partido, o Brasil poderia se valer financeiramente da luta nos dois lados. Houve, também, a questão política, já que na ditadura em que estava o País naquela época existiam, entre os políticos de Vargas, simpatizantes do Fascismo criado pelo líder italiano Benito Mussolini. Getúlio, desta forma, só decidiu optar pelas forças aliadas quando recebeu uma pressão do então presidente norte-americano, Franklin Roosevelt: os aliados precisavam utilizar o litoral do Rio Grande Norte, ponto estratégico na geografia do conflito, para a construção de bases aéreas e marítimas. Em troca, cerca de US$ 20 milhões seriam doados para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN, menina-dos-olhos do então ditador. Se não cedesse seu território, tal postura seria considerada uma "má vontade" para com os aliados. Comentava-se até pelos quatro cantos do País, em tom irônico, que se não atendesse ao pedido dos Estados Unidos o Brasil poderia se tornar mais um "Quinta Coluna", como ficou conhecido o serviço de espionagem que a Alemanha de Adolf Hitler espalhou pelo mundo. Tal pressão surtiu efeito: cedemos Natal para os americanos e, a partir de então, tornamo-nos inimigos das forças do Eixo. Mas o motivo "oficial" da entrada brasileira na II Guerra Mundial foi outro: a frota alemã afundara navios civis brasileiros em nossas águas territoriais e foi este o fato que fez o Brasil declarar guerra à Alemanha e, por conseqüência, também a seus comparsas. Com a decisão de enviar tropas à Europa, o Exército brasileiro surpreendeu o povo, que sempre brincalhão dizia que nossos pracinhas só iriam à luta no dia em que cobra fumasse. Teoricamente, o Palestra, apenas um time do futebol brasileiro, nada tinha a ver com tudo isso, certo? Mas um ato de Getúlio Vargas acabou fazendo nosso clube, literalmente, entrar na guerra. Por meio de um decreto-lei, assinado em junho de 1942, o presidente obrigava todas as instituições esportivas que tivessem nomes estrangeiros a mudar suas denominações. Por quê? Ninguém sabia explicar quais as vantagens que isso daria ao Brasil, mas lei é lei e, pelo menos naquela época, teve de ser cumprida. Desta forma, o Germânia passou a ser Pinheiros; o Espanha, de Santos, Jabaquara; e o São Paulo Railway, Nacional. Até a Portuguesa de Esportes, que não precisava mudar nada, passou a se chamar Portuguesa de Desportos, se bem que ninguém viu muita diferença em tal alteração. Havia, naquela época, outros dois Palestras Itália no Brasil: um em Belo Horizonte e outro em Curitiba. Estes, claro, também tiveram de mudar seus nomes, passando a se chamar Cruzeiro o de Minas Gerais e Coritiba o do Paraná. Mas a mudança mais traumática foi mesmo a nossa, a do Palestra Itália de São Paulo, pois que então, sem dúvida, já se tornara um dos grandes do futebol brasileiro. Houve profunda relutância por parte de diretores, conselheiros e torcedores em aceitar tal imposição governamental. E mais tarde nasceria o Palmeiras.
Hino do Palmeiras

Quando surge o alvi-verde imponente

No gramado em que a luta o aguarda

Sabe bem o que vem pela frente
Que a dureza do prélio não tarda
E o Palmeiras no ardor da partida

Transformando a lealdade em padrão

Sabe sempre levar de vencida
E mostrar que de fato é campeão
Defesa que ninguém passa
Linha atacante de raça Torcida que canta e vibra (repete) Por nosso alvi-verde inteiro Que sabe ser brasileiro Ostentando a sua fibra


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